Falta também qualquer memória dos cinco anos de debate sobre o acesso aos recursos genéticos, com todas a partes interessadas no Senado Federal, que aprovou um projeto de lei em 2000 de autoria de Marina da Silva e relatado por Osmar Dias, enviado à Câmara dos Deputados e enterrado pelo golpe da MP descrita nesta matéria, que ainda hoje continua em vigor.
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Correio Braziliense, Brasília, terça-feira, 20 de
novembro de 2012 – Ciência (p. 20)
EXCESSO DE
BUROCRACIA
Pesquisadores
se queixam da dificuldade de acessar patrimônio genético, o que prejudica
avanço científico. Governo espera reforma legal.
CAROLlNA
MANSUR
Belo
Horizonte –
A burocracia ainda é entrave para que o Brasil desponte no cenário científico mundial.
Quando se fala em acesso ao patrimônio genético*, os pesquisadores
encontram impedimentos. Segundo eles, as discussões giram mais em torno da repartição
de benefícios, que é a regularização do ganho de capital sobre cada uma dessas
informações, do que dos incentivos às descobertas. "Na comparação com
outros países, o Brasil tem o. excesso de burocracia como fator que atrasa a
pesquisa e o desenvolvimento da ciência", avalia o professor do
Departamento de Bioquímica e Imunologia da Universidade Federal de Minas Gerais
(UFMG) Adriano Pimenta.
* Patrimônio genético são informações apresentadas em forma
de moléculas, substâncias metabólicas e extratos retirados de organismos com ou
sem vida que têm amostras de materiais de que foram coletados em um território.
Por essa razão, órgãos como o Iphan e o Ibama são parceiros do Conselho de
Gestão do Patrimônio Genético (CGen). Cabe a eles avaliar se determinado objeto
é patrimônio nacional e como deve ser o procedimento diante dele.
De
acordo com o pesquisador, hoje toma-se por base a ideia de que há um
"tesouro" escondido na biodiversidade brasileira que pode ser
descoberto e resultar em ganhos financeiros. Entretanto, ele garante que 99%
das moléculas estudadas nunca chegarão a ser comercializadas e, consequentemente,
não resultarão em dividendos. Portanto, o ideal seria deixar de lado as preocupações
com a repartição de benefícios e focar a discussão na obtenção de mais exemplos
de transformação biotecnológica, como ocorreu com a cana-de-açúcar, proveniente
da Ásia, que foi transformada no Brasil em etanol e cachaça. "Devemos
tirar proveito de maneira sustentada da nossa capacidade de cultivar esses
alimentos e outros insumos, assim como melhoramos o café e a soja ou produzimos
a cachaça e o etanol”, defende.
Segundo
Pimenta, o marco legislativo brasileiro que diz respeito ao patrimônio genético
é a Medida Provisória nº 2.186-16, de 23 de agosto de 2001, que prevê a
necessidade de autorização para o acesso a essas informações, a ser concedida
pelo Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGen), órgão vinculado ao
Ministério do Meio Ambiente. Contudo, por ser mal articulada, a medida é
apontada como um dos principias entraves da ciência nacional. "Tamanha é a
confusão resultante dessa MP, feita às pressas, que há vários outros
instrumentos de legislação pendurados e amontoados na medida inicial. Muitas
vezes, eles pioram o entendimento do texto original, que não é dos mais
corretos do ponto de vista técnico e científico", afirma o professor.
Uma das
críticas da comunidade científica é não ter sido ouvida ou consultada durante
as discussões de criação da MP. "Não houve inicialmente um cuidado em
escutar a comunidade acadêmica, e as discussões, essencialmente políticas, resultaram
em uma legislação caótica, que cerceia a ciência e o desenvolvimento
biotecnológico no Brasil", acrescenta. Uma das sugestões dos pesquisadores
brasileiros é mudar o termo "patrimônio genético" para "recursos
genéticos", já que patrimônio dá ideia de posse de bens, conceito
equivocado do ponto de vista científico, uma vez que as fronteiras políticas de
um território não são coincidentes com as fronteiras populacionais de uma determinada
espécie biológica. "Passa-se a impressão de que o Brasil, como nação, é o
dono de uma espécie de micro-organismo, planta ou animal. O termo "recurso"
seria mais apropriado, pois dá a ideia de que pode e deve ser aproveitado em
nosso território", defende Pimenta.
Impactos
Ainda
de acordo com o professor da UFMG, os reflexos de uma MP mal articulada vêm no
desempenho do próprio CGen, que deveria agilizar o acesso às informações, mas,
em 10 anos de funcionamento, concedeu menos de 90 autorizações. "Embora
apenas neste ano cerca de 30 autorizações tenham sido concedidas, as
instituições de pesquisa ou empresas que pedem o acesso são bombardeadas com
uma avalanche burocrática, com a exigência de uma série de documentações,
muitas vezes incoerente", comenta.
Como
resultado, ele diz, a ciência brasileira perde em competitividade. O próprio
Pimenta tenta usar as informações genéticas de uma molécula já publicada no
meio científico para desenvolver um medicamento. "Estou preparando as
documentações para ter acesso às informações dessa molécula há muito tempo e,
enquanto isso, pesquisadores australianos e suíços também estão de olho no mesmo
material", conta. "Como eles não sofrem com a burocracia em seus
países, podem dar o primeiro passo antes de nós. Eu poderia tentar protegê-la
em forma de patente, mas isso só é possível se tiver a documentação no CGen",
acrescenta. Segundo o professor, no mundo inteiro, as moléculas são de domínio
público, mas no Brasil isso ainda é feito de maneira incoerente, atrasando o
desenvolvimento.
Novo
cenário
Com a
aprovação do Protocolo de Nagoya, durante a Conferência das Partes da Convenção
sobre a Diversidade Biológica, em 2010, inaugurou-se um novo cenário internacional
com boas perspectivas para a reformulação da legislação nacional e, por
consequência, desenvolvimento da ciência, argumenta Francine Soares da Cunha,
gerente de Assuntos Regulatórios e Repartição de Benefícios do Departamento do
Patrimônio Genético do Ministério do Meio Ambiente, que exerce a função de
secretária executiva do CGen. O protocolo foi encaminhado pela presidente Dilma
Rousseff ao Congresso Nacional durante a Rio +20 e aguarda sua ratificação pelo
Legislativo.
"A
ideia é que ele concilie os interesses da pesquisa, da inovação, do
desenvolvimento de produtos, da academia e dos povos e comunidades
tradicionais, reconhecendo que esses são atores importantes para a conservação
e o uso sustentável da biodiversidade", disse Francine. De acordo com ela,
para garantir melhor aplicação da legislação, o CGen tem investido em medidas
internas que aceleram os processos para o acesso ao patrimônio genético
utilizado na bioprospecção, na pesquisa ou no desenvolvimento tecnológico. Além
do credenciamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico (CNPq), que autoriza o acesso ao patrimônio genético para qualquer
finalidade a partir de uma plataforma informatizada mais rápida, há parceria
com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (lphan) e com o
Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
(Ibama) para emitirem as autorizações.
"Com
as parcerias, imprimimos velocidade nas autorizações e promovemos um diálogo mais
eficiente", garante a gerente. Ela confirma que, entre 2001 e 2011, o dado
acumulado de contratos de repartição de benefícios do patrimônio genético, que
facilitam o acesso dos pesquisadores às informações, anuídos pelo CGen era de
29, mas, até setembro deste ano, foram anuídos 39 contratos. Além disso, em
2012, o CGen e suas credenciadas (Ibama, CNPq e Iphan) emitiram mais de 600
autorizações de acesso ao patrimônio genético e aos conhecimentos tradicionais
associados para fins de pesquisa científica, bioprospecção e desenvolvimento
tecnológico. "A reformulação da legislação é o que se espera de forma mais
estratégica, mas, concomitantemente, medidas de gestão já estão sendo implementadas
com resultados bastante positivos", reforça Francine.
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