sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Ruralistas lançam campanha contra o controle da biopirataria

A matéria no Valor desta 6a feira (segue ali em baixo) é preocupante, tão ou mais preocupante até do que o berço esplêndido em que descansa o processo de ratificação do Protocolo de Nagoya no Congresso Nacional.

MSC 245/2012
11/6/2012
Submete à consideração do Congresso Nacional o texto do Protocolo de Nagoia sobre Acesso a Recursos Genéticos e Repartição Justa e Equitativa dos Benefícios Derivados de sua Utilização à Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), concluído durante a 10a Reunião da Conferência das Partes na Convenção, realizada em outubro de 2010 (COP-10), e assinado pelo Brasil no dia 2 de fevereiro de 2011, em Nova Iorque. 
Trata-se do novo Protocolo para a CDB, sobre a repartição de benefícios, cujo texto oficial em português ficou disponível no: http://migre.me/akAk7

A matéria parece estar abrindo campo para a perpetuação da biopirataria, ao menos no Brasil, lançando uma oposição questionável até em termos aritméticos, contra a ratificação pelo Brasil do Protocolo.

Estarei enganado, exagerando?

Alguém sabe se esta mesma abordagem está dando ensejo a campanhas contra o Protocolo de Nagoya em outros países?

Alguns fatos:

- A Ata Final da Convenção em 1992 remeteu toda a responsabilidade sobre os recursos fitogenéticos na agricultura para a FAO.

- O Tratado da FAO de 2001 sobre Recursos Fitogenéticos para a Alimentação e a Agricultura já criou regras internacionais para a troca internacional de sementes agrícolas, está em vigor no mundo desde 2004 e tem o Brasil como membro pleno desde 2006.

- O Preambulo deste novo Protocolo de Nagoya reconhece e relembra aquele Tratado da FAO que cuida deste campo, e o próprio texto exorta cada país, ao regulamentar o Protocolo, apenas a (art 8c) "
considerar a importância dos recursos genéticos para a alimentação e agricultura e seu papel especial na segurança alimentar".

Onde então estão as disposições do Protocolo que possam impactar o uso de sementes agrícolas em escala industrial no Brasil? Será que eu não li direito o texto?

Por que será que o Valor suscita dois anos depois de publicado um tal estudo do ICONE,
think tank do agronegócio nacional (Abag, etc.), referendado tipicamente por "fontes" do MAPA e citando apenas explicações fracas e genéricas dos defensores do Protocolo?

A negociação desta ratificação agora vai se enrolar 100% na Câmara (para onde o Executivo enviou a mensagem de ratificação no dia 5/6/12, um ano e meio depois de ter assinado o documento) no meio de negociações com as mesmas forças ruralistas/agronegociais do Código Florestal.

É bom ficar de olho. Pois as perspectivas de termos um dia uma verdadeira LEI nacional para controlar o acesso aos recursos genéticos (e a repartição de benefícios, direitos comunitários, etc.), em substituição à Medida Provisória da Novartis em vigor há 12 anos, passam agora a depender totalmente da aprovação do Protocolo de Nagoya.


=======================
Valor Econômico - 17/08/2012
via Clipping do MPOG http://migre.me/akvPD

Campo pode ter perda bilionária com Protocolo de Nagoya

Autor(es): Por Tarso Veloso | De Brasília

Ainda que não exista uma estimativa oficial concreta, os prejuízos do Brasil com o Protocolo de Nagoya poderão ser bilionários se de fato ele for ratificado. Assinado pelo governo em fevereiro de 2011, o documento, que prevê o pagamento de royalties para o país que fizer uso da biodiversidade de outro, tramita na Câmara dos Deputados e aguarda a criação de uma comissão especial para discuti-lo.

Para avaliar o impacto do acordo, o Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone) traçou em 2010 um cenário hipotético que mostrava que, se a taxa cobrada por outros países sobre o uso de suas espécies nativas pelo Brasil fosse de 1%, o país teria que pagar R$ 639 milhões em royalties referentes aos volume de 2009 de produção de cana-de-açúcar, soja, farelo de soja e carnes bovina, suína e de frango, aos países de origem desses produtos.

"A intenção das discussões em torno do protocolo era repartir benefícios da biodiversidade sem que houvesse perdas", diz o gerente-geral do Icone, Rodrigo Lima. "É importante que o governo brasileiro faça pesquisas [sobre o impacto do acordo, a exemplo do que acontece em outros países", comentou.

O protocolo, que só pode entrar em vigor depois de ser ratificado por 50 países, afetará toda a cadeia de produtos oriundos de outras nações. A Colômbia, segundo uma fonte do Ministério da Agricultura, já puxou a fila e disse que pretende cobrar 30% pelo uso da batata. Por enquanto, apenas México, Ruanda, Jordânia e Seicheles ratificaram o acordo, assinado por 92 países no total.

Apesar de seus possíveis impactos, o assunto não chama a atenção no Congresso brasileiro. O governo avalia que os parlamentares consideram "distante" a discussão.

O principal prejuízo para o Brasil, de acordo com o Icone, recairia sobre a soja, carro-chefe do agronegócio no país, que colheu 66,4 milhões de toneladas do grão em 2011/12. Ao mesmo tempo, o principal país importador da soja brasileira, que é a China, berço da soja, seria o grande beneficiado nesse tabuleiro.

Ao assinar o acordo, afirma uma fonte da Agricultura, o Brasil ignorou vários pontos que ainda não estão claros, como a forma da cobrança. No caso de sementes, por exemplo, também não se sabe se varieades existentes serão passíveis de cobrança ou se só as novas, convencionais ou transgênicas. Mas está claro que haveria cobrança sobre produtos plantados ou industrializados.

Durante a negociação, em outubro de 2010, representantes do Itamaraty, do Ministério da Agricultura e do Ministério do Desenvolvimento bateram cabeça na hora de decidir se deveriam dar a garantia de assinatura ou esperar futuros estudos. "Em um determinado momento, uma parte se empolgou e acabou vendendo o que não pode entregar", afirmou uma fonte da Agricultura.

Já uma fonte do Itamaraty defendeu a assinatura e disse que o governo quer sua aprovação. "O Brasil participou ativamente das negociações em torno do texto e, do ponto de vista do poder executivo, a decisão foi tomada no mais alto nível. A prova disso é que a presidência encaminhou o texto para ser discutido no Congresso e quer ver isso aprovado".

A proposta de análise do texto, que foi enviada ao Congresso, estudará o resultado do Acesso a Recursos Genéticos e Repartição Justa e Equitativa dos Benefícios Derivados de sua Utilização à Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB). O CDB foi concluído durante a 10 ª Reunião da Conferência das Partes na Convenção, em outubro de 2010 (COP-10), e assinado em Nova York. Em 25 de junho deste ano, a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados remeteu o texto a diversas comissões.

O senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), presidente da Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle (CMA), entregou um requerimento em 10 de julho para realizar uma audiência pública para discutir o protocolo. Segundo o ofício, a intenção preparar o terreno para a Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP 11), que será realizada em outubro na Índia.

Algumas pessoas dentro do governo avaliam que, ao contrário do que se pensa, o Brasil não seria beneficiado devido a sua grande biodiversidade. Conforme a fonte do Ministério da Agricultura, na reta final das negociações foi retirado do texto o parágrafo que defendia o ressarcimento por fármacos sintetizados, área em que o Brasil poderia ganhar.

A análise do Ministério da Agricultura é que o governo "vendeu sem ter". Segundo uma fonte da Pasta, o governo assinou um protocolo sem fazer nenhum estudo sobre os prejuízos em relação ao assunto.

Mas essa tese é desconstruída pelo secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, Roberto Brandão Cavalcanti. Em entrevista ao Valor, ele afirma que o tratado é um passo significativo para o país, e que a posição brasileira foi decisiva para que o protocolo fosse para frente. "O acordo é interessante para o Brasil, pois significa que vamos garantir a repartição da biodiversidade. No passado, já houve tentativas de patentear nossa biodiversidade no exterior. Agora, podemos nos beneficiar das novas empresas que vão usar biodiversidade nativa para alimentos e cosméticos", disse.

Nenhum comentário:

Postar um comentário