quinta-feira, 16 de maio de 2013

Angelina Jolie e o Patenteamente dos Genes Humanos

Esta semana, com o noticiário sobre a mastectomia de Angelina Jolie, deve voltar à tona o debate sobre o patenteamento de genes humanos.

Devido à patente norte-americana sobre os genes humanos BRCA1 e BRCA2 -- em vigor no Brasil e muitos outros países -- o preço da triagem por câncer de mama é proibitivo (de R$ 4.000 a 9.000) e nem o SUS e nem os planos privados pagam, foi o que ouvi hoje na CBN.

A questão filosófica diz respeito à propriedade sobre a vida, com os direitos exclusivos de trabalhar com nossos genes, via patente.

A questão jurídica (política) é compreender como uma empresa (a Myriad Genetics, no caso), tem poder suficiente para induzir o estado a reconhecer como "invenção" patenteável um gene que ninguém -- muito menos ela -- inventou.

A questão econômica (e social) é a exclusão da maioria das pessoas -- como a OMS noticiou agora -- que continuam sem acesso aos remédios que precisam: 
http://www.ip-watch.org/2013/05/15/who-stats-show-medicines-remain-out-of-reach-of-poorest-patients

Um dos principais obstáculos é o preço eschorchante cobrado por laboratórios, escorados pelo monopólio da patente.

É verdade que nem todas as mulheres precisam fazer esse exame pelo gene do câncer de mama, que a Angelina Jolie fez. Mas, para a maioria daquelas que deveriam fazê-lo por recomendação de seu médico, como é que fica?

Há um vídeo didático em inglês da ACLU sobre a patente desse gene. (A ACLU está com uma ação já na agenda do Supremo dos EUA contra a Myriad.):
http://www.youtube.com/watch?v=ywj_a0Mulvk

Há também uma matéria jornalística, no Los Angeles Times --"Angelina Jolie, the Supreme Court and gene patents", do 14/05/2013:
http://www.latimes.com/news/opinion/opinion-la/la-ol-angelina-jolie-gene-patents-20130514,0,962240.story

terça-feira, 20 de novembro de 2012

Debate sobre acesso volta à tona, sem dimensão social ou de soberania


Falta também qualquer memória dos cinco anos de debate sobre o acesso aos recursos genéticos, com todas a partes interessadas no Senado Federal, que aprovou um projeto de lei em 2000 de autoria de Marina da Silva e relatado por Osmar Dias, enviado à Câmara dos Deputados e enterrado pelo golpe da MP descrita nesta matéria, que ainda hoje continua em vigor.

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Correio Braziliense, Brasília, terça-feira, 20 de novembro de 2012 – Ciência (p. 20)

EXCESSO DE BUROCRACIA

Pesquisadores se queixam da dificuldade de acessar patrimônio genético, o que prejudica avanço científico. Governo espera reforma legal.

CAROLlNA MANSUR

Belo Horizonte – A burocracia ainda é entrave para que o Brasil desponte no cenário científico mundial. Quando se fala em acesso ao patrimônio genético*, os pesquisadores encontram impedimentos. Segundo eles, as discussões giram mais em torno da repartição de benefícios, que é a regularização do ganho de capital sobre cada uma dessas informações, do que dos incentivos às descobertas. "Na comparação com outros países, o Brasil tem o. excesso de burocracia como fator que atrasa a pesquisa e o desenvolvimento da ciência", avalia o professor do Departamento de Bioquímica e Imunologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Adriano Pimenta.

* Patrimônio genético são informações apresentadas em forma de moléculas, substâncias metabólicas e extratos retirados de organismos com ou sem vida que têm amostras de materiais de que foram coletados em um território. Por essa razão, órgãos como o Iphan e o Ibama são parceiros do Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGen). Cabe a eles avaliar se determinado objeto é patrimônio nacional e como deve ser o procedimento diante dele.

De acordo com o pesquisador, hoje toma-se por base a ideia de que há um "tesouro" escondido na biodiversidade brasileira que pode ser descoberto e resultar em ganhos financeiros. Entretanto, ele garante que 99% das moléculas estudadas nunca chegarão a ser comercializadas e, consequentemente, não resultarão em dividendos. Portanto, o ideal seria deixar de lado as preocupações com a repartição de benefícios e focar a discussão na obtenção de mais exemplos de transformação biotecnológica, como ocorreu com a cana-de-açúcar, proveniente da Ásia, que foi transformada no Brasil em etanol e cachaça. "Devemos tirar proveito de maneira sustentada da nossa capacidade de cultivar esses alimentos e outros insumos, assim como melhoramos o café e a soja ou produzimos a cachaça e o etanol”, defende.

Segundo Pimenta, o marco legislativo brasileiro que diz respeito ao patrimônio genético é a Medida Provisória nº 2.186-16, de 23 de agosto de 2001, que prevê a necessidade de autorização para o acesso a essas informações, a ser concedida pelo Conselho de Gestão do Patrimônio Genético (CGen), órgão vinculado ao Ministério do Meio Ambiente. Contudo, por ser mal articulada, a medida é apontada como um dos principias entraves da ciência nacional. "Tamanha é a confusão resultante dessa MP, feita às pressas, que há vários outros instrumentos de legislação pendurados e amontoados na medida inicial. Muitas vezes, eles pioram o entendimento do texto original, que não é dos mais corretos do ponto de vista técnico e científico", afirma o professor.

Uma das críticas da comunidade científica é não ter sido ouvida ou consultada durante as discussões de criação da MP. "Não houve inicialmente um cuidado em escutar a comunidade acadêmica, e as discussões, essencialmente políticas, resultaram em uma legislação caótica, que cerceia a ciência e o desenvolvimento biotecnológico no Brasil", acrescenta. Uma das sugestões dos pesquisadores brasileiros é mudar o termo "patrimônio genético" para "recursos genéticos", já que patrimônio dá ideia de posse de bens, conceito equivocado do ponto de vista científico, uma vez que as fronteiras políticas de um território não são coincidentes com as fronteiras populacionais de uma determinada espécie biológica. "Passa-se a impressão de que o Brasil, como nação, é o dono de uma espécie de micro-organismo, planta ou animal. O termo "recurso" seria mais apropriado, pois dá a ideia de que pode e deve ser aproveitado em nosso território", defende Pimenta.

Impactos

Ainda de acordo com o professor da UFMG, os reflexos de uma MP mal articulada vêm no desempenho do próprio CGen, que deveria agilizar o acesso às informações, mas, em 10 anos de funcionamento, concedeu menos de 90 autorizações. "Embora apenas neste ano cerca de 30 autorizações tenham sido concedidas, as instituições de pesquisa ou empresas que pedem o acesso são bombardeadas com uma avalanche burocrática, com a exigência de uma série de documentações, muitas vezes incoerente", comenta.

Como resultado, ele diz, a ciência brasileira perde em competitividade. O próprio Pimenta tenta usar as informações genéticas de uma molécula já publicada no meio científico para desenvolver um medicamento. "Estou preparando as documentações para ter acesso às informações dessa molécula há muito tempo e, enquanto isso, pesquisadores australianos e suíços também estão de olho no mesmo material", conta. "Como eles não sofrem com a burocracia em seus países, podem dar o primeiro passo antes de nós. Eu poderia tentar protegê-la em forma de patente, mas isso só é possível se tiver a documentação no CGen", acrescenta. Segundo o professor, no mundo inteiro, as moléculas são de domínio público, mas no Brasil isso ainda é feito de maneira incoerente, atrasando o desenvolvimento.

Novo cenário

Com a aprovação do Protocolo de Nagoya, durante a Conferência das Partes da Convenção sobre a Diversidade Biológica, em 2010, inaugurou-se um novo cenário internacional com boas perspectivas para a reformulação da legislação nacional e, por consequência, desenvolvimento da ciência, argumenta Francine Soares da Cunha, gerente de Assuntos Regulatórios e Repartição de Benefícios do Departamento do Patrimônio Genético do Ministério do Meio Ambiente, que exerce a função de secretária executiva do CGen. O protocolo foi encaminhado pela presidente Dilma Rousseff ao Congresso Nacional durante a Rio +20 e aguarda sua ratificação pelo Legislativo.

"A ideia é que ele concilie os interesses da pesquisa, da inovação, do desenvolvimento de produtos, da academia e dos povos e comunidades tradicionais, reconhecendo que esses são atores importantes para a conservação e o uso sustentável da biodiversidade", disse Francine. De acordo com ela, para garantir melhor aplicação da legislação, o CGen tem investido em medidas internas que aceleram os processos para o acesso ao patrimônio genético utilizado na bioprospecção, na pesquisa ou no desenvolvimento tecnológico. Além do credenciamento do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), que autoriza o acesso ao patrimônio genético para qualquer finalidade a partir de uma plataforma informatizada mais rápida, há parceria com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (lphan) e com o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) para emitirem as autorizações.

"Com as parcerias, imprimimos velocidade nas autorizações e promovemos um diálogo mais eficiente", garante a gerente. Ela confirma que, entre 2001 e 2011, o dado acumulado de contratos de repartição de benefícios do patrimônio genético, que facilitam o acesso dos pesquisadores às informações, anuídos pelo CGen era de 29, mas, até setembro deste ano, foram anuídos 39 contratos. Além disso, em 2012, o CGen e suas credenciadas (Ibama, CNPq e Iphan) emitiram mais de 600 autorizações de acesso ao patrimônio genético e aos conhecimentos tradicionais associados para fins de pesquisa científica, bioprospecção e desenvolvimento tecnológico. "A reformulação da legislação é o que se espera de forma mais estratégica, mas, concomitantemente, medidas de gestão já estão sendo implementadas com resultados bastante positivos", reforça Francine.

sexta-feira, 17 de agosto de 2012

Ruralistas lançam campanha contra o controle da biopirataria

A matéria no Valor desta 6a feira (segue ali em baixo) é preocupante, tão ou mais preocupante até do que o berço esplêndido em que descansa o processo de ratificação do Protocolo de Nagoya no Congresso Nacional.

MSC 245/2012
11/6/2012
Submete à consideração do Congresso Nacional o texto do Protocolo de Nagoia sobre Acesso a Recursos Genéticos e Repartição Justa e Equitativa dos Benefícios Derivados de sua Utilização à Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB), concluído durante a 10a Reunião da Conferência das Partes na Convenção, realizada em outubro de 2010 (COP-10), e assinado pelo Brasil no dia 2 de fevereiro de 2011, em Nova Iorque. 
Trata-se do novo Protocolo para a CDB, sobre a repartição de benefícios, cujo texto oficial em português ficou disponível no: http://migre.me/akAk7

A matéria parece estar abrindo campo para a perpetuação da biopirataria, ao menos no Brasil, lançando uma oposição questionável até em termos aritméticos, contra a ratificação pelo Brasil do Protocolo.

Estarei enganado, exagerando?

Alguém sabe se esta mesma abordagem está dando ensejo a campanhas contra o Protocolo de Nagoya em outros países?

Alguns fatos:

- A Ata Final da Convenção em 1992 remeteu toda a responsabilidade sobre os recursos fitogenéticos na agricultura para a FAO.

- O Tratado da FAO de 2001 sobre Recursos Fitogenéticos para a Alimentação e a Agricultura já criou regras internacionais para a troca internacional de sementes agrícolas, está em vigor no mundo desde 2004 e tem o Brasil como membro pleno desde 2006.

- O Preambulo deste novo Protocolo de Nagoya reconhece e relembra aquele Tratado da FAO que cuida deste campo, e o próprio texto exorta cada país, ao regulamentar o Protocolo, apenas a (art 8c) "
considerar a importância dos recursos genéticos para a alimentação e agricultura e seu papel especial na segurança alimentar".

Onde então estão as disposições do Protocolo que possam impactar o uso de sementes agrícolas em escala industrial no Brasil? Será que eu não li direito o texto?

Por que será que o Valor suscita dois anos depois de publicado um tal estudo do ICONE,
think tank do agronegócio nacional (Abag, etc.), referendado tipicamente por "fontes" do MAPA e citando apenas explicações fracas e genéricas dos defensores do Protocolo?

A negociação desta ratificação agora vai se enrolar 100% na Câmara (para onde o Executivo enviou a mensagem de ratificação no dia 5/6/12, um ano e meio depois de ter assinado o documento) no meio de negociações com as mesmas forças ruralistas/agronegociais do Código Florestal.

É bom ficar de olho. Pois as perspectivas de termos um dia uma verdadeira LEI nacional para controlar o acesso aos recursos genéticos (e a repartição de benefícios, direitos comunitários, etc.), em substituição à Medida Provisória da Novartis em vigor há 12 anos, passam agora a depender totalmente da aprovação do Protocolo de Nagoya.


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Valor Econômico - 17/08/2012
via Clipping do MPOG http://migre.me/akvPD

Campo pode ter perda bilionária com Protocolo de Nagoya

Autor(es): Por Tarso Veloso | De Brasília

Ainda que não exista uma estimativa oficial concreta, os prejuízos do Brasil com o Protocolo de Nagoya poderão ser bilionários se de fato ele for ratificado. Assinado pelo governo em fevereiro de 2011, o documento, que prevê o pagamento de royalties para o país que fizer uso da biodiversidade de outro, tramita na Câmara dos Deputados e aguarda a criação de uma comissão especial para discuti-lo.

Para avaliar o impacto do acordo, o Instituto de Estudos do Comércio e Negociações Internacionais (Icone) traçou em 2010 um cenário hipotético que mostrava que, se a taxa cobrada por outros países sobre o uso de suas espécies nativas pelo Brasil fosse de 1%, o país teria que pagar R$ 639 milhões em royalties referentes aos volume de 2009 de produção de cana-de-açúcar, soja, farelo de soja e carnes bovina, suína e de frango, aos países de origem desses produtos.

"A intenção das discussões em torno do protocolo era repartir benefícios da biodiversidade sem que houvesse perdas", diz o gerente-geral do Icone, Rodrigo Lima. "É importante que o governo brasileiro faça pesquisas [sobre o impacto do acordo, a exemplo do que acontece em outros países", comentou.

O protocolo, que só pode entrar em vigor depois de ser ratificado por 50 países, afetará toda a cadeia de produtos oriundos de outras nações. A Colômbia, segundo uma fonte do Ministério da Agricultura, já puxou a fila e disse que pretende cobrar 30% pelo uso da batata. Por enquanto, apenas México, Ruanda, Jordânia e Seicheles ratificaram o acordo, assinado por 92 países no total.

Apesar de seus possíveis impactos, o assunto não chama a atenção no Congresso brasileiro. O governo avalia que os parlamentares consideram "distante" a discussão.

O principal prejuízo para o Brasil, de acordo com o Icone, recairia sobre a soja, carro-chefe do agronegócio no país, que colheu 66,4 milhões de toneladas do grão em 2011/12. Ao mesmo tempo, o principal país importador da soja brasileira, que é a China, berço da soja, seria o grande beneficiado nesse tabuleiro.

Ao assinar o acordo, afirma uma fonte da Agricultura, o Brasil ignorou vários pontos que ainda não estão claros, como a forma da cobrança. No caso de sementes, por exemplo, também não se sabe se varieades existentes serão passíveis de cobrança ou se só as novas, convencionais ou transgênicas. Mas está claro que haveria cobrança sobre produtos plantados ou industrializados.

Durante a negociação, em outubro de 2010, representantes do Itamaraty, do Ministério da Agricultura e do Ministério do Desenvolvimento bateram cabeça na hora de decidir se deveriam dar a garantia de assinatura ou esperar futuros estudos. "Em um determinado momento, uma parte se empolgou e acabou vendendo o que não pode entregar", afirmou uma fonte da Agricultura.

Já uma fonte do Itamaraty defendeu a assinatura e disse que o governo quer sua aprovação. "O Brasil participou ativamente das negociações em torno do texto e, do ponto de vista do poder executivo, a decisão foi tomada no mais alto nível. A prova disso é que a presidência encaminhou o texto para ser discutido no Congresso e quer ver isso aprovado".

A proposta de análise do texto, que foi enviada ao Congresso, estudará o resultado do Acesso a Recursos Genéticos e Repartição Justa e Equitativa dos Benefícios Derivados de sua Utilização à Convenção sobre Diversidade Biológica (CDB). O CDB foi concluído durante a 10 ª Reunião da Conferência das Partes na Convenção, em outubro de 2010 (COP-10), e assinado em Nova York. Em 25 de junho deste ano, a Mesa Diretora da Câmara dos Deputados remeteu o texto a diversas comissões.

O senador Rodrigo Rollemberg (PSB-DF), presidente da Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor e Fiscalização e Controle (CMA), entregou um requerimento em 10 de julho para realizar uma audiência pública para discutir o protocolo. Segundo o ofício, a intenção preparar o terreno para a Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica (COP 11), que será realizada em outubro na Índia.

Algumas pessoas dentro do governo avaliam que, ao contrário do que se pensa, o Brasil não seria beneficiado devido a sua grande biodiversidade. Conforme a fonte do Ministério da Agricultura, na reta final das negociações foi retirado do texto o parágrafo que defendia o ressarcimento por fármacos sintetizados, área em que o Brasil poderia ganhar.

A análise do Ministério da Agricultura é que o governo "vendeu sem ter". Segundo uma fonte da Pasta, o governo assinou um protocolo sem fazer nenhum estudo sobre os prejuízos em relação ao assunto.

Mas essa tese é desconstruída pelo secretário de Biodiversidade e Florestas do Ministério do Meio Ambiente, Roberto Brandão Cavalcanti. Em entrevista ao Valor, ele afirma que o tratado é um passo significativo para o país, e que a posição brasileira foi decisiva para que o protocolo fosse para frente. "O acordo é interessante para o Brasil, pois significa que vamos garantir a repartição da biodiversidade. No passado, já houve tentativas de patentear nossa biodiversidade no exterior. Agora, podemos nos beneficiar das novas empresas que vão usar biodiversidade nativa para alimentos e cosméticos", disse.

domingo, 12 de agosto de 2012

Manuela Carneiro da Cunha define governo Dilma

http://migre.me/afTgJ
Folha.com

12/08/2012 - 08h00


Para antropóloga, governo joga entre a inclusão e o trator

ELEONORA DE LUCENA, DE SÃO PAULO

"Um governo em que a mão direita e a mão esquerda não parecem pertencer a um mesmo corpo". Assim a antropóloga Manuela Carneiro da Cunha define o governo Dilma Rousseff: a gestão tem uma "face boa", que promove inclusão social, e outra "desenvolvimentista", que "não se importa em atropelar direitos fundamentais e convenções internacionais".

Pioneira na discussão contemporânea da questão indígena e liderança no debate ambiental, Manuela, 69, acha o novo Código Florestal "um tiro no pé": "A proteção ambiental é crucial para a sustentabilidade do agronegócio".
Leticia Moreira - 20.out.09/Folhapress
Retrato da antropologa e professora na Univesidade de Chicago Manuela Carneiro da Cunha
Retrato da antropologa e professora na Univesidade de Chicago Manuela Carneiro da Cunha

A professora emérita da Universidade de Chicago está relançando seu clássico de 1985, "Negros, Estrangeiros: Os Escravos Libertos e Sua Volta à África" [Companhia das Letras, 272 págs., R$ 49], sobre escravidão e liberdade no Atlântico Sul.
Nesta entrevista, concedida por e-mail, ela constata vestígios de realidade escravocrata no Brasil de hoje: "Olhe com atenção cenas de rua. São muitas as que parecem saídas de fotografias dos anos 1870 ou até de aquarelas de Debret, da década de 1820".
*
Folha - Como a sra. avalia o desempenho do governo Dilma?
Manuela C. da Cunha - Há pelo menos duas faces no governo Dilma que não são simplesmente resultado de composições políticas. Há a face boa, que promove uma política de inclusão social e de diminuição das desigualdades. E há uma face desenvolvimentista, um trator que não se importa em atropelar direitos fundamentais e convenções internacionais.
Exemplos disso são a portaria nº 303, de 16/7, da Advocacia Geral da União, sobre terras indígenas, que tenta tornar fato consumado matéria que ainda está em discussão no Supremo Tribunal Federal, além de outras iniciativas recentes do Executivo, como a redução de áreas de unidades de conservação para viabilizar hidrelétricas.
Somam-se a essas duas faces do Executivo as concessões absurdas, destinadas a garantir a sua base parlamentar.
O resultado é um governo em que a mão direita e a mão esquerda não parecem pertencer a um mesmo corpo. Corre, por exemplo, o boato de que a senadora Kátia Abreu (PSD-TO), que chefia a bancada ruralista, poderia ser promovida a ministra da Agricultura!

Quem está vencendo o embate entre o agronegócio e os que defendem a preservação ambiental?
Ninguém venceu: com o novo Código Florestal, todos perdem, inclusive os que se entendem como vencedores. O Brasil perdeu.
Agrônomos, biólogos e climatólogos de grande reputação foram solicitados pela SBPC e pela Academia Brasileira de Ciências a se pronunciarem sobre o novo Código. Esse grupo, do qual tive a honra de ser uma escrevinhadora, publicou análises e documentos ao longo dos dois anos que durou o processo de discussão no Legislativo. As recomendações fundamentais do mais importante colegiado de cientistas reunidos para examinar as implicações do Código Florestal não foram acatadas.
Como declarou Ricardo Ribeiro Rodrigues, professor titular da Esalq (Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz), o Brasil perdeu a oportunidade de mostrar ao mundo que é possível conciliar crescimento da produção de alimentos com sustentabilidade ambiental. Para aumentar a produção, não é preciso mais espaço, e sim maior produtividade.
Foi com ganhos de produtividade que a agricultura cresceu nas últimas décadas. Diminuir a proteção ambiental, como faz o novo Código Florestal, é miopia, é dar um tiro no pé e privar as gerações futuras do que as gerações passadas nos legaram. Pois a proteção ambiental é crucial para a sustentabilidade do agronegócio.
É constrangedor ainda que, para favorecer a miopia dos setores mais atrasados do agronegócio, se tenha usado uma retórica de proteção à agricultura familiar. O que se isentou de reposição de reserva legal no novo Código não foi exclusivamente a agricultura familiar e sim um universo muito maior, a saber quaisquer proprietários de até quatro módulos fiscais.
A agricultura familiar está sendo na realidade diretamente prejudicada pela brutal redução que vinha sendo feita das matas ciliares. No Nordeste e no Norte de Minas, vários rios secaram. Com o antigo Código, ainda se tinha amparo da lei para protestar. Hoje, o fato consumado tornou-se legal. Isso se chama desregulamentação.

Por que o movimento de intelectuais não conseguiu êxito?
O movimento "A Floresta Faz a Diferença" não pode ser caracterizado como um movimento de intelectuais. Não só 200 entidades da sociedade civil se uniram no protesto, mas a população em geral se manifestou maciçamente.
Lembro que duas cartas de protesto, no final de 2011, somaram mais de 2 milhões de assinaturas. Já na pesquisa de opinião do Datafolha, realizada entre 3 e 7 de junho de 2011, em ambiente urbano e rural, 85% se manifestaram contra a desregulamentação que é o novo Código Florestal. E prometeram se lembrar nas urnas do desempenho dos parlamentares.
E o pior foi que congressistas de partidos que se dizem de esquerda, dos quais se esperava outro comportamento, tiveram atuação particularmente lamentável. Faltou uma sintonia entre o Congresso e o povo: cada vez mais os políticos não prestam contas a seus eleitores e à opinião pública.

Há quem aponte interesses externos no discurso da preservação de áreas ambientais e de reservas. Qual sua visão?
A acusação de que ambientalistas e defensores de direitos humanos servem interesses externos é primária, além de velhíssima: teve largo uso desde a ditadura e na Constituinte. Sai do armário quando não há bons argumentos.

Como a questão indígena está sendo tratada? Como devia ser tratada?
Hoje a questão indígena está sob fogo cerrado. Muitos parlamentares estão tentando solapar os direitos indígenas consagrados na Constituição de 1988. Querem, por exemplo, permitir mineração em áreas indígenas e decidir sobre demarcações. E a recente investida da Advocacia Geral da União de que já falei levanta dúvidas sobre as disposições do Poder Executivo.

Em "Negros, Estrangeiros" a sra. afirma: "Tentou-se controlar a passagem da escravidão à liberdade com o projeto de ver formada uma classe de libertos dependentes. Formas de sujeição ideológica, em que o paternalismo desempenhou um papel essencial, e formas de coerção política foram postas em uso". Essa realidade persiste?
Comento no livro que um dos mecanismos do projeto de criar uma classe de libertos dependentes foi a separação mantida até 1872 entre o direito costumeiro e o direito positivo. Alforriarem-se escravos que oferecessem seu valor em dinheiro era um costume, mas não era um direito, contrariamente ao que se apregoou.
A alforria, mesmo paga, era sempre considerada como uma concessão do senhor, e implicava um dever de gratidão para o liberto: tanto assim que, desta vez por lei, podia ser revogada se o liberto se mostrasse ingrato. Hoje a lei avançou e o conhecimento das leis também. A dependência não é mais a mesma. Mas o clientelismo, do qual o paternalismo é uma forma até mais simpática, não desapareceu. As ligações e lealdades pessoais, a proteção, as conivências são flagrantes na esfera política.
Mas você me pergunta de vestígios da realidade escravocrata no Brasil. Olhe com atenção cenas de rua. São muitas as que parecem saídas de fotografias dos anos 1870 ou até de aquarelas de [Jean-Baptiste] Debret, da década de 1820. As babás escravas cujos retratos aparecem no livro são muito parecidas com as que, mais malvestidas e todas de branco, levam as crianças aos parques no Rio de Janeiro. Os carregadores de ontem e de hoje pouco diferem...

Como a sra. explica a escravidão moderna? Por que ela persiste?
A escravidão moderna, nisso semelhante à escravidão legal que desapareceu, é uma das múltiplas formas de uma questão sempre atual, a do fornecimento e do controle de mão de obra.

Trabalhadores em regime análogo à escravidão em fazendas; em São Paulo, imigrantes bolivianos e paraguaios enfrentam condições desumanas em confecções. Qual relação há entre essa realidade e a história brasileira de escravidão?
As formas contemporâneas de opressão de trabalhadores, sobretudo urbanos, não são específicas ao Brasil: por toda parte, elas afligem populações de migrantes sem documentos, que, mantidos na ilegalidade e sempre sujeitos a serem expulsos, não conseguem se defender das condições degradantes. A propalada globalização permitiu livre trânsito a mercadorias e capitais, mas não se estendeu (a não ser no âmbito da União Europeia) às pessoas.
No campo, os regimes análogos à escravidão usam a força para restringir a liberdade, e não a chantagem, já que em geral se trata de brasileiros recrutados em outros Estados que, teoricamente, poderiam recorrer às autoridades. Mas o isolamento físico e a distância dos seus lugares de origem permitem que impunemente se use a força contra eles.

segunda-feira, 23 de julho de 2012


Ibama aperta o cerco contra a biopirataria


O Globo - 23/07/2012
https://conteudoclippingmp.planejamento.gov.br/cadastros/noticias/2012/7/23/ibama-aperta-o-cerco-contra-a-biopirataria

Autor: Danilo Fariello

Por uso de recursos nativos sem repartir ganhos, 35 empresas são autuadas no valor total de R$ 88 milhões

O Brasil resolveu jogar duro para proteger a sua biodiversidade, cujo potencial econômico já foi comparado ao do pré-sal pela ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira. No início do mês, o Ibama autuou 35 empresas no valor total de R$ 88 milhões por usarem recursos nativos sem repartir corretamente os lucros com as localidades de onde são extraídos, conforme prevê lei de 2001. Ainda este ano, outras 65 firmas serão notificadas nas próximas investidas da operação Novos Rumos 2.

Muitas são empresas multinacionais, principalmente dos setores farmacêutico e de cosméticos, que vendem usando motes como "segredos da Amazônia" ou "Amazônia preciosa". Elas se disseram surpreendidas e afirmam que há arbitrariedade do órgão ambiental, que as teria autuado sem entender o modo como apoiam as comunidades, segundo afirmam, com base na Medida Provisória 2.186, de 2001.

A norma não especifica os valores a serem repartidos, incluindo até a possibilidade de a empresa colaborar com o dono da terra de onde extraiu a espécie de maneira não-monetária. Por isso, acaba criando brechas para manobras e questionamentos.

- A lei não é nova. Em 2010, na Novos Rumos 1, havia um estoque de empresas que buscaram regularização, e o Ibama fechou um entendimento e um padrão - disse Rodrigo Dutra da Silva, coordenador-geral de Fiscalização Ambiental do Ibama.

Empresa apresentará defesa ao Ibama

A ação de inteligência do Ibama recebe denúncias e confere os produtos. Em geral, seu anúncio ou a composição mostram qual produto usa certas plantas. Entre as cerca de 80 espécies investigadas, as mais frequentemente exploradas sem repartição dos lucros são castanha-do-Brasil, açaí, guaraná e cupuaçu, mas há outras, como carnaúba e andiroba.

Foram 220 multas aplicadas em 35 empresas, em valores entre R$ 900 e R$ 5 milhões, mas como algumas foram autuadas pelo uso de mais de uma espécie, o total de multas superou, em alguns casos, R$ 10 milhões. A norma do Ibama tenta trazer as empresas para a regularidade, por isso a multa tem abatimento de até 90% para quem se enquadrar. E as empresas podem recorrer.

- Se uma empresa explora economicamente uma informação, um atributo, um princípio ativo de espécie brasileira, tem de pedir autorização para acesso e, se auferir lucro, tem de repartir esses benefícios - explica Natália Milanezi, da área de fiscalização do Ibama.

- O governo não tem nada contra a pesquisa científica, porque consideramos as espécies amazônicas uma galinha dos ovos de ouro, mas queremos que sejam exploradas de forma regrada, sustentável - disse Dutra da Silva, do Ibama.

Conforme trechos de uma minuta de decreto a que o GLOBO teve acesso, a área ambiental do governo quer tornar a União responsável por essa arrecadação de benefícios repartidos, aplicando taxas fixas. A meta é criar um fundo para arrecadar 1,5% do faturamento bruto do que as empresas venderem a partir da exploração de patrimônio genético nativo ou 0,7%, se o produto final for alimentação ou agricultura. Desde 2001, as empresas dividem o lucro com o dono da terra de onde a espécie é retirada de um modo pouco uniforme e que estimula a barganha entre vizinhos. O fundo não apenas beneficiaria as comunidades locais, como deve destinar recursos a pesquisa e capacitação de pessoal da área ambiental.

O decreto também deverá disciplinar o principal alvo de questionamentos das empresas que foram mais punidas: elas alegam que a regra atual prevê que só a empresa que faz o acesso direto ao patrimônio genético deve recolher os benefícios, ou seja, quem o extrai da terra.

"Não havendo acesso, não nasce a obrigação de repartição de benefícios", alegou, por meio de nota, a Beraca Sabará, que teve a maior autuação, de R$ 11,3 milhões. Manifestação similar teve o grupo Boticário, que vai apresentar defesa ao Ibama, assim como a Jequiti e a Croda do Brasil. A Centroflora, que usa os extratos vegetais e foi autuada em R$ 3 milhões, disse ser "insana" a cobrança de quem não tem relação direta com o patrimônio genético e disse estar "vivenciando claramente a insegurança jurídica de que tanto se falava na área".

O Ibama entende, porém, que todas as empresas que vendem os produtos ao quais se agregou valor devem repartir benefícios, mas reconhece que o decreto deixará claro que atividades de registro, produção e comercialização deverão pagar, exceto revendedores.

Algumas das empresas multadas alegam que já fazem essa repartição de benefícios. A Mapric, que recebeu multas que somam R$ 10,5 milhões, afirmou, também por meio de nota, que teve "uma grande surpresa e posterior indignação, principalmente porque em julho de 2011 recebemos visita do Ibama e fomos elogiados".

Maior diversidade biológica do mundo

Outra divergência se refere à data em que a empresa começou a exploração, se antes ou depois da lei de 2001. A Ambev, por exemplo, foi autuada pelo uso da mesma planta de guaraná que usa no seu mais tradicional refrigerante, mas só quando passou a usá-la em um novo energético. Procurada, a empresa informou que não comenta processos em andamento e que atende à legislação vigente.

Comprovadamente controverso, o assunto é de alta relevância para o governo brasileiro, que conseguiu no ano passado nomear o biólogo Braulio Dias, ex-secretário de Biodiversidade do Ministério do Meio Ambiente, secretário-executivo da Conferência Mundial da Diversidade Biológica (CDB). No mês passado, a presidente Dilma Rousseff enviou mensagem ao Congresso pedindo a ratificação do Protocolo de Nagoia, plataforma mundial de combate à biopirataria mantida no CDB. O Protocolo assegura a soberania dos países sobre seus recursos naturais, expurgando, por exemplo, a visão de que a Amazônia é patrimônio mundial, e não dos países onde está situada.

O território continental e a zona costeira do Brasil abrigam a maior diversidade biológica do planeta, resultante da combinação entre a multiplicidade de espécies e habitats. O Brasil só é comparado à Indonésia em termos de biodiversidade, mas está bem à frente.

- Dividir esses recursos com a região de onde se explora o patrimônio genético ou o conhecimento tradicional é uma forma de promover o desenvolvimento sustentável da Amazônia, pela exploração econômica com a floresta em pé, evitando desmatamento ou queimadas - disse Silva, do Ibama.

As empresas Vitaderm, Vedic Hindus, Avon, Sabic Innovative Plastics, Laboratório Sklean (Mahogany) e AGE do Brasil também foram procuradas para comentar as autuações, mas não responderam ao GLOBO até o fechamento da edição.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

Cientistas reclamam do processo para patentear suas criações


Segue matéria de hoje sobre as queixas de cientistas nacionais com a burocracia das patentes, e com certas distorções como estrangeiros que patenteiam plantas brasileiras (como a Body Shop inglesa e a Asahi, japonesa).

Na verdade, o problema não é só a burocracia, ou um estrangeiro se apresentar como dono do cupuaçu. É mais profundo. É a vida e o conhecimento terem dono e só chegarem a nós quando, e do jeito, que for do interesse de um monopólio.

Hoje muitos tratam como troglodita o PhD formado com dinheiro público que teima em produzir tecnologia para a sociedade, em vez de direcioná-la
(já que as indústrias nacionais em geral não se interessam) para o gosto de uma multinacional.

A lógica subjacente à postura dos consultados nesta matéria é que a inovação, mesmo produzida por instituições e com dinheiro públicos, não irá para a frente no Século XXI se não for para vendê-la com direitos de exclusividade.

Por medo de perderem o tal do bonde da história, porém, deixam de enxergar outros meios e caminhos.

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Correio Braziliense, 24/10/2011 08:00

Cientistas reclamam do longo e burocrático processo para patentear criações
Marcelo da Fonseca

Belo Horizonte — Contratos de inovação assinados com grandes empresas, investimentos e parcerias firmados com apoio do governo federal e a satisfação de descobrir algo que pode mudar a vida de muita gente. São muitos os motivos que levam professores e cientistas a passar várias horas dentro de laboratórios atrás de fórmulas e produtos nunca antes criados ou imaginados. No entanto, para conseguir os resultados e, até mesmo, o apoio que poderá ser fundamental para o desenvolvimento da pesquisa, é preciso percorrer um longo caminho de estudos e passar por uma das etapas mais difíceis que vai garantir a proteção e os direitos de uso do invento: a concessão da patente. O processo pode durar mais de uma década e, em alguns casos, a cobrança por resultados acadêmicos nos estudos desenvolvidos nas universidades se torna um obstáculo a mais para os cientistas.

O físico Daniel Medeiros integra a equipe do Núcleo de Inovação Tecnológica (Pro-NIT) da Universidade de São Paulo (USP) e conhece bem os desafios que os pesquisadores enfrentam no dia a dia. “A maior dificuldade é que, durante o processo de pedido das patentes, nosso objetivo é proteger o produto; mas a universidade tem a missão de gerar conhecimento, e as pesquisas acadêmicas precisam ser publicadas e divulgadas. Só que, ao publicar um artigo ou uma tese sobre o tema, acabamos perdendo a novidade, um requisito importante na análise do pedido”, explica. Medeiros aponta também a grande diferença entre os incentivos para pesquisadores brasileiros e de outros países, onde a relação entre os centros de excelência e as grandes empresas é mais avançada. “Percebo que a preocupação com as inovações recebe muito mais atenção dos grupos privados. Claro, o Brasil está avançando bastante, com cada vez mais apoio para novas tecnologias, mas por aqui o mercado ainda não consegue absorver nossos trabalhos como no exterior”, pontua.

Para o professor e pesquisador na área de química orgânica da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Cláudio Luis Donnici, além da demora para receber as definições sobre os pedidos, outro ponto que atrasa os cientistas brasileiros é a falta de conhecimento sobre muitos termos exigidos na parte burocrática do processo. “São termos legais e jurídicos que não temos o costume de usar, por isso é fundamental que as universidades invistam em pró-reitorias e centros de tecnologia com capacidade de auxiliar os professores e os alunos. No nosso caso, essa ajuda permitiu que passássemos pela parte técnica e elaborássemos um relatório que enviamos às esferas nacionais. É preciso que mais centros atuem dessa forma”, alerta o pesquisador.

No primeiro semestre deste ano, Donnici participou de um grupo de estudos que descobriu um composto capaz de dissolver praticamente qualquer material orgânico ou inorgânico sem alterar a composição química de uma amostra  submetida a análise química. Isso significa que o novo composto poderá, por exemplo, mostrar se um cosmético ou um alimento contém metal pesado ou se a casca de uma árvore a ser usada para produzir medicamentos está contaminada. Os pesquisadores já depositaram o pedido de patente, e a substância, registrada com o nome de Universol, está pronta para ser aplicada e ter sua tecnologia transferida a empresas que poderão produzir e comercializar o produto em larga escala.

Quadro atual

No Brasil, o movimento mais intenso, segundo dados do Instituto Nacional da Propriedade Intelectual (Inpi), está ligado às pesquisas de indústria farmacêutica, mas as grandes empresas de outros setores têm aumentado significativamente a participação nos registros de patentes. Hoje, a Petrobras tem 1.253 pedidos de patentes no Brasil e 2.530 no exterior. A Vale, por sua vez, tem cerca de 2,4 mil pedidos, entre contratos de inovação e direitos de preferência para o uso de tecnologias.

O Inpi é o responsável pelo gerenciamento dos inventos licenciados no país. A legislação brasileira determina que a titularidade de todas as tecnologias desenvolvidas por professores, alunos e servidores pertence às instituições e, quando negociados os direitos de cada invenção, os recursos são divididos entre as partes envolvidas.

Em Minas Gerais, a Coordenadoria de Transferência de Inovação Tecnológica (CTIT), centro ligado à UFMG, conduziu, desde 2003, 82 licenciamentos que incluem não apenas patentes, mas outras formas de propriedade intelectual, como know-how, software e desenho industrial. “Além das propriedades já garantidas, temos outras 15 em fase de negociação, com grande interesse de países como França, Japão e Estados Unidos nas áreas de biotecnologia, fármacos e saúde animal. Estamos conseguindo facilitar ao máximo o processo de registro dos pesquisadores e fazemos a mediação com o setor industrial para buscar interesse e apoio, por meio de convênios de parceria ou contratos de transferência tecnológica”, explica o diretor do CTIT, o físico Ado Jorio de Vasconcelos.

Etapas

1 - Pesquisadores que criam alguma tecnologia ou projeto levam suas propostas até os institutos e as coordenadorias das instituições onde trabalham e cadastram a ideia apresentada.
 
2 - Uma equipe técnica dos centros de pesquisa fica responsável pela análise da proposta — viabilidade, interesse de mercado e pesquisas relacionadas na área — e oferece apoio na parte burocrática para oficializar o pedido de registro.
 
3 - A invenção ou pesquisa é inscrita pelas instituições regionais no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi).
 
4 - A autarquia federal vinculada ao Ministério de Indústria e Comércio Exterior fica responsável por registrar o pedido e conceder autorização para a patente. Em média, essa etapa dura entre oito e 10 anos, mas a autorização para que os pesquisadores possam negociar a invenção pode sair até um ano e meio depois do pedido.
 
5 - A negociação com empresas é feita com apoio dos centros de pesquisas das empresas ou das universidades. Podem ser firmados convênios de pesquisa (quando a empresa patrocina a pesquisa antes do resultado), convênios de transferência (a tecnologia é repassada para a empresa, com exclusividade ou não) ou sobre condições de royalties (caso em que os inventores recebem recursos pelo uso, por parte das empresas, de suas invenções).

Para saber mais:

Briga pelo cupuaçu

Fruto de uma árvore de pequeno a médio porte que pertence à mesma família do cacau, o cupuaçu foi uma das fontes primárias de alimento na Floresta Amazônica para populações indígenas. A polpa, que é usada para fazer sucos, cremes e geleias, faz grande sucesso fora do Brasil e, por isso, atraiu muitos pesquisadores interessados em estudar os diferentes usos para a fruta. Atrás do valor de mercado que os produtos feitos a partir do cupuaçu poderiam garantir, uma empresa britânica pediu registro em 1998 da primeira patente para usar o extrato do fruto em uma composição cosmética. Em 2001, uma empresa japonesa tentou patentear outras formas de uso. A exclusividade desejada pelos estrangeiros não foi aceita pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e outras indústrias nacionais que desenvolviam produtos com o cupuaçu. Isso porque, caso fosse registrada a patente no exterior, a indústria brasileira ficaria impedida de comercializar qualquer produto com o cupuaçu. A disputa foi parar na Justiça e a tentativa de patente no Japão foi barrada definitivamente em 2008, quando o ex-presidente Lula sancionou uma determinação garantindo a legitimidade brasileira da fruta, bem como o direito de uso para empresas nacionais.

sexta-feira, 27 de maio de 2011

Mania de grandeza da dupla Celso e Lula?

Folha de São Paulo, Poder - Toda Mídia, 27 de maio de 2011

"VELHA GUARDA OCIDENTAL"
No enunciado do "New York Times" para a cúpula na França, ontem, "Crise do euro assombra G8". Afirma que o grupo "foi ofuscado pelo G20, em que emergentes como a China, a Índia, o Brasil e a África do Sul também têm assento".
E destaca, de David Shorr, da Stanley Foundation, que o G8 é hoje um "clube da velha guarda ocidental", já sem "os atores-chave para enfrentar os grandes desafios".

Campanha Bric Na chamada do "Wall Street Journal" para sua entrevista com a francesa Christine Lagarde, ela "prepara turnê global pelo FMI". Segundo o jornal, fará "paradas obrigatórias na China, no Brasil e na Índia". E o diretor brasileiro no Fundo, Paulo Nogueira Batista Jr., considerou "positivo que ela troque ideias com as autoridades brasileiras". E no enunciado do "FT" para sua entrevista com Lagarde, ela "oferece maior voz para os emergentes".

Dinheiro dos outros A "Economist", no editorial "Hora de mudar", diz que "europeu, mesmo talentoso, não deve chefiar o FMI". Chama a convenção de ser europeu "uma vergonha" e cobra um Fundo "imparcial".
E Simon Johnson, ex-economista-chefe do FMI, escreve no "NYT" que Lagarde é "explicitamente uma representante dos interesses da zona do euro" e "personifica a estratégia de apostar na ressurreição europeia com o dinheiro dos outros".